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CAPISTRANO: UMA NARRATIVA


AUTORIA: IONE ARRUDA CAMPOS
TRANSCRITO DA REVISTA DA ACLA, EDIÇÃO DE 2003.


Capistrano de Abreu recebeu os seus primeiros ensinamentos na localidade chamada Ladeira Grande com o Mestre-Escola Lufe Mendes, a 3 Km do sítio. Mais tarde, em Fortaleza, no Colégio dos Educandos sob a direção do Padre Antônio Nogueira Bezerra, que o batizou. Daí para o Ateneu Cearense, em Fortaleza, onde foi concluído o estudo secundário aos 12 anos; estudou no Colégio Episcopal do Ceará. Fez os preparatórios em Recife. Quando não bem sucedido volta à casa dos pais. O pai o submetia sérios castigos, ou trabalho na lavoura. Mas, o que queria mesmo Capistrano era ler uma braçada de livros que levara, isto fazia mais à noite, ou de dia embaixo de uma árvore.

Aos dezoito anos vai à Fortaleza, fez amizade com Tomás Pompeu, Felino Barroso e outros ligados às letras na época. Fundou juntamente com Stuart Will e Spencer a Escola Popular do Ceará. Combatiam juntos a favor de idéias liberais nas páginas de "A Fraternidade", órgão da Maçonaria e eram combatidos por intelectuais como Manuel Bezerra da Silva nas páginas da Tribuna Católica. Faz conferências na Escola Popular Brasileira. Mais tarde, Capistrano as publica no Rio de Janeiro. Surgiu em Fortaleza a chamada Academia Francesa - (1874). Faziam parte: Tomás Pompeu, Araújo Jr., Capistrano, Rocha Lima, onde se reuniam.

Com 21 anos de idade, Capistrano deixou o Ceará em busca do Rio de Janeiro (Valeu o êxito a José de Alencar que muito o estimulou), trocando para sempre a terra que lhe dera berço por aquela que lhe daria glória.

É recebido na Corte onde lhe dá as boas vindas o sacerdote Braveza. Nos primeiros anos vive na casa de amigos. Consegue trabalho na Galeria Briguet, por pouco tempo. No ano seguinte publica no Globo seus ensaios como "O Caráter Nacional e As Origens do Povo Brasileiro". Recebe algumas críticas, mas as enfrenta com ousadia, as idéias etimológicas do Silvio Romero.

A morte de José de Alencar, abre-lhe as portas da Gazeta de Notícias. O seu proprietário Ferreira Araújo incumbira Machado de Assis de fazer o necrológio do grande romancista. Quando à noite, Machado chegou à redação trazendo a encomenda, o diretor passou-lhe às mãos umas tiras de papel dizendo que lhas trouxera uma "espécie de Peri de paletó surrado e cabelo em desalinho", deixando-lhe nas mãos ainda um pedaço de papel com seu endereço e afirmando-lhe apenas que era cearense e admirador de José de Alencar. Machado de Assis principia a leitura e depois visivelmente emocionado começa a rasgar o texto que preparara. Algum tempo depois, Capistrano passa a assegurar na Gazeta, uma seção "Livros e Letras", em que analisa e critica a produção cultural da época. (A Produção Literária do Ceará, pág. 177).

No Rio de Janeiro, Capistrano foi iniciando como Bibliotecário, depois professor do Colégio Pedro II por concurso, conquistando destaque no cenário intelectual. Escreveu em vários jornais: na Semana, na Revista Brasileira, no Jornal do Comércio. O jornal O Globo publica seus ensaios: "O Caráter Nacional" e "As Origens do Povo Brasileiro".

Outro destaque se dá na morte de Francisco Adolfo Varnhagem (1878), grande criador Oficial da Historiografia Brasileira. O Jornal do Comércio do Rio publica em duas partes o seu necrológio escrito pelo ainda jovem Capistrano de Abreu.

A 9 de agosto de 1879 sai o decreto da nomeação de Capistrano de Abreu como Oficial da Biblioteca Nacional. Sistematiza aí sua grande aprendizagem na pesquisa histórica e no domínio das disciplinas auxiliares de História, sobretudo quando colaborou intensamente na produção monumental Exposição de História do Brasil sob a coordenação do seu diretor Ramiz Galvão.

É vasta e valiosíssima a bibliografia de Capistrano de Abreu, evidenciando-se nela os seus estudos lingüísticos, comentários e anotações críticas de obras de outros autores que se ocuparam de coisas do Brasil. Merecem citar-se: O Descobrimento do Brasil no século XVI; a Edição de História do Brasil de Frei Vicente Salvador; O Prólogo, a História Topográfica e Bíblica de Nova Colônia de Sacramento do Rio da Prata; Descobrimento do Brasil pelos Portugueses; Capítulos de História Colonial de Varnhagem, copiosamente anotado. Estudou a língua dos Caxinauás. Lia o latim, inglês, francês, alemão, espanhol e grego.

Foi membro do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, do Instituto do Ceará e da Academia Cearense de Letras. Foi citado por Silvio Romero como "o maior erudito em assuntos brasileiros que até hoje tem existido sobrepujando assaz, Varnhagem, João Lisboa, Silva Paranhos, Cândido Mendes".

De 1879 a 1883 serviu como oficial da Biblioteca Nacional e de onde após grande concurso se retirou por haver sido nomeado lente catedrático de História do Brasil no Colégio Pedro II (Lello Universal). No tempo em que não havia propriamente universidade no país. Mais tarde não aceitou o convite para a ABL - (Academia Brasileira de Letras).

Com a República, a reforma extinguiu a cadeira de História do Brasil e passou a integrar a disciplina de História Universal. Capistrano é posto em disponibilidade em 1899, com redução de 6% dos seus vencimentos.

Consumira sua existência a serviço da pesquisa para esclarecer e decifrar o sentido da nossa formação sócio-histórica. Parte significativa que realizou não estavam encerradas em seus livros e escritos, mas sim a descoberta que realizou na documentação que efetuou para nossa historiografia que preparara com arguta erudição do seu saber, pelos inúmeros discípulos que deixou e pelos estudiosos a quem ajudou e apoiou e que se reproduziram em gerações sucessivas até hoje. A prova de tudo aí estava na imensa correspondência que manteve com imensos pesquisadores, ou simples amigos que nas suas indagações e perquirições, e que hoje aquilo que escapara da destruição do tempo. Está contida nesse tesouro de informações que são os três espessos volumes de grande formato e em suas mais de 1.300 páginas que o esforço de José Honório Rodrigues fez publicar.

Capistrano passa a ensinar no Colégio Aquino, estabelecimento de muito conceito. Por essa época, ele passa por um período de entusiasmo, pois entre as alunas havia uma muito vivaz e inteligente.

Necessário esclarecer que Capistrano alugara o porão da casa dos Castro Fonseca, pais de Maria José, que passou a tomar aulas com o famoso professor. Maria José, moça inteligente, tocava músicas eruditas, e o professor foi ficando cativo da aluna e logo foi correspondido. Os pais de Maria José Fonseca gozavam de muito prestígio, logo aquiesceram, os dois noivaram e breve casaram.

Os dois muito se entendiam, tiveram cinco filhos: Matilde, Honorina, Fernando, Abril e Adriano. Mas a felicidade durou apenas 10 anos, pois Maria José adoeceu e breve veio a falecer. Foi um rude golpe para Capistrano. A avó materna, Adélia, poetisa e muito educada, cuidou da educação e instrução de Honorina, Matilde e Adriano; o pai ficou com os outros dois. Foi a solução mais acertada, porque parece que antes de falecer a esposa pediu para que ele não mais se casasse. Foi morar numa pensão.

Honorina passou a tomar aulas de línguas, pois o pai muito a estimava e conhecia seus dotes. Honorina gozava de muito prestígio na sociedade e na Corte. Como poetisa que era, Honorina teve certa vez um desafio com Bastos Tigre. Porém, inesperadamente, resolve entrar na clausura das Carmelitas de Santa Teresa. Foi outro golpe para Capistrano que muito a estimava. Contentou-se de longe ao vê-la entrar no Convento. Honorina tomou o nome de Madre MARIA JOSÉ em homenagem à mãe. Escrevia a seu pai, mas Capistrano não respondia.

Um de seus comoventes sonetos intitula-se A Vida:

I
Que é o mundo senão a efervescência
Da vida, - que pulula - pelos ares,
Pela terra, nas vísceras dos mares,
Proclamando a divina Onipotência?

II
Cada vida produz nova existência...
Os seres multiplicam-se aos milhares...
Se a morte brutalmente poda os lares,
A vida brota em nova eflorescência.

III
Mas esta vida tão pujante embora,
Não é mais que um prelúdio, que uma aurora
Da vida que jamais há de findar.

IV
Morre o corpo, mas a alma - essa não morre;
E ao separar-se dele a seu Deus corre
Como um rio no que enfim entra no mar.


"Honorina", no dizer de Manuel Bandeira, sabia "com que se salvar". E, fugindo do mundo e até de seu pai a quem tanto amava, sentia que poderia ser levada ao "seio do Eterno", aquele que de lá a arrancara para esta vida. Na época Capistrano apreciou imensamente este soneto, mandou imprimi-lo distribuindo-o aos amigos e conhecidos.

Vários outros escritores se manifestaram no velório, quando o melhor da inteligência nacional naquela época, veio prestar-lhe aquele rito de reconhecimento e amizade - Humberto de Campos registra então sua crônica: "Naquela tarde o cortejo fúnebre, desceu do Largo dos Leões, pela rua dos voluntários da Pátria". No préstito mortuário, compungidos, alguns com os olhos úmidos: deputados, senadores, banqueiros, ministros, ex-ministros, acadêmicos, embaixadores. Despediam-se daquele homem simples e genial, avesso a pompas e elogios. No cemitério São João Batista, onde fora enterrado, seu velho amigo e colaborador Rodolfo Garcia pronunciou a oração de despedida em nome do Instituto Histórico Brasileiro, iniciando a sua fala com as mesmas palavras com que Capistrano se despedira de Varnahagem no necrológio quando lhe escrevera em 1878: "A Pátria traja de luto pela morte de um historiador, meio século de estudos e trabalhos nunca interrompidos". Palavras proféticas de um jovem que iniciava suas aventuras pelas mesmas veredas de nossa história.

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